Vírus pode infectar os testículos, prejudicando a capacidade das gônadas masculinas em produzir espermatozoides e hormônios
Passado mais de um ano da descoberta do coronavírus SARS-CoV-2, pesquisadores ainda buscam entender os efeitos do agente infeccioso no organismo humano. Nesse cenário, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) acompanham pacientes homens que tiveram a Covid-19 e observaram, neste grupo, redução no nível de testosterona e uma menor quantidade de espermatozoides.
Liderado pelo andrologista Jorge Hallak, professor da FMUSP e coordenador do Grupo de Estudos em Saúde do Homem do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), um novo estudo sobre os efeitos da Covid-19 na saúde sexual masculina foi publicado na revista científica Andrologia.
No levantamento, os pesquisadores conseguiram observar que o coronavírus pode infectar os testículos, prejudicando a capacidade das gônadas masculinas em produzir espermatozoides e hormônios. Inclusive, a pesquisa observou que os resultados de exames de fertilidade e hormonais permaneceram alterados mesmo meses após se recuperarem da Covid-19.
Infertilidade no pós-Covid?
Vale destacar que esse ainda é um estudo inicial e não confirma que a Covid-19 pode causar infertilidade nos pacientes homens que contraíram a infecção.
Além disso, as descobertas foram baseadas nos casos de 26 pessoas que contraíram a doença de forma leve ou moderada e tiveram o diagnóstico confirmado por exames. Estes pacientes apresentavam idade média de 33 anos e foram atendidos no Hospital das Clínicas da FMUSP e no Instituto Androscience de Ciência e Inovação em Andrologia.
No grupo, os pesquisadores brasileiros observaram que o espermograma de vários desses pacientes indicou, por exemplo, que a motilidade espermática — a capacidade de os espermatozoides se moverem e fertilizarem o óvulo, cujo índice normal é acima de 50% — caiu para entre 8% e 12% e permaneceu nesse patamar quase um ano após terem sido infectados pelo vírus.
Agora, os resultados dos testes hormonais apontaram apara o fato de que os níveis de testosterona de alguns pacientes despencaram após a doença. Por exemplo, o nível normal do hormônio é de 300 a 500 nanogramas por decilitro de sangue (ng/dL). Em alguns pacientes com Covid-19, esse valor chegou a variar abaixo de 200 e, muitas vezes, ficou entre 70 e 80 ng/dL.
“Temos visto, cada vez mais, alterações prolongadas na qualidade do sêmen e dos hormônios de pacientes que tiveram Covid-19, mesmo naqueles que apresentaram quadro leve ou assintomático”, comentou o professor Hallak para a Agência FAPESP.
Coronavírus pode infectar os testículos
“É muito preocupante como o novo coronavírus afeta os testículos, mesmo nos casos assintomáticos ou pouco sintomáticos da doença. Entre todos os agentes prejudiciais aos testículos que estudei até hoje, o SARS-CoV-2 parece ser muito atuante”, explicou o pesquisador Hallak sobre a nova pesquisa.
“Cada patologia tem particularidades que a prática e a experiência nos demonstram. O SARS-CoV-2 tem a característica de afetar a espermatogênese. Estamos descobrindo os mecanismos envolvidos, como motilidade progressiva persistentemente muito baixa e morfologia bem alterada, sem mudança da concentração espermática significativa”, complementa.
De acordo com o artigo, mais da metade dos pacientes infectados pelo coronavírus apresentou inflamação no epidídimo — esta é uma estrutura que realiza o armazenamento dos espermatozoides e onde eles adquirem a capacidade de locomoção.
“Ao contrário de uma infecção bacteriana clássica ou por outros vírus, como o da caxumba, que causa inchaço e comumente desconforto ou dor nos testículos em um terço dos acometidos, a epididimite causada pelo coronavírus é indolor e não é possível de ser diagnosticada por apalpamento [exame físico] ou a olho nu”, afirmou lica Hallak.
A partir dessas descobertas, os pesquisadores recomendam que os pacientes homens procurem um urologista ou andrologista, após contraírem o coronavírus. Nesses casos, exames para medir a fertilidade e a produção hormonal podem ser realizados.
“Esses indivíduos devem ser acompanhados por um a dois anos após a infecção, pelo menos, pois ainda não sabemos como a doença evolui”, recomendou o pesquisador.
Fonte: Canaltech